31.10.16

A Floresta Azul


Naquela manhã partimos para sul de Bruxelas. Um amigo da Joana fez um roteiro para os dias que eu lá estava e uma das coisas que ele tinha indicado era a Blue Forest. Apanhámos o comboio na estação central de Bruxelas e em coisa de meia hora chegámos à cidade de Halle. Como o objectivo era poder perder várias horas pela floresta, não fiquei a conhecer muito de Halle e a cidade também me pareceu bastante pequena. Além disso, não demorei muito tempo a perceber que a sua língua oficial era a holandesa. Foi quando estávamos nós as três - sim, porque neste dia também fiquei a conhecer a Marlene, uma amiga que a Joana conheceu em erasmus e também era portuguesa - a perguntar na estação qual o autocarro que nos poderia levar até à Blue Forest que ficámos a perceber que não valia a pena. Ali ninguém lhe chamava Blue Forest, mas sim Hallerbos que significa Floresta de Halle em holandês. O mais engraçado foi o facto de ter sido um senhor japonês que nos ajudou a chegar a esta tradução, a última pessoa que teríamos ponderado ser capaz de nos entender. Aliás, o autocarro que apanhámos em direcção da floresta ia apinhado de japoneses. Foi engraçado poder confirmar esta ideia que tinha sobre o significado e a importância que a cultura japonesa dá às flores. 

O local onde nos deixaram era algo como uma aldeia minúscula com um único café. A única estrada existente depressa se tornou em uma composta por terra batida. Sem quase darmos conta, entrámos na floresta. Árvores altas e de copas largas abraçavam-nos, deixando espaço para a entrada de apenas alguns raios de sol. O ambiente tornava-se naturalmente misterioso e quase mágico. Começámos à procura dos bluebells. Sabem aquelas flores da família dos lírios em formato de sinos? A Blue Forest é conhecida por todo o seu chão ser (literalmente) um tapete denso dessas flores entre os tons azulados e arroxeados. Eu esqueci-me de levar a bateria da máquina fotográfica - coisa pela qual me culpo ainda hoje e não é pouco - então se quiserem ter uma pequena amostra do que vos falo podem ver (AQUI). A nossa manhã e início de tarde foi passada a descobrir os trilhos da floresta através de um mapa que nos ofereceram por lá. Se algum dia também pensarem em visitar, terão que ter em atenção que só no final da primavera e início do verão é que estas flores estão no seu auge. 

Quando por fim voltámos à paragem da pequena aldeia habitada por não mais de vinte pessoas, ficámos a saber que tínhamos acabado de perder o autocarro. Tentámos entrar no único café do local - que por milagre tinha wi-fi - mas depressa nos avisaram que teríamos de arredar pé dali rapidamente. Já vos disse que os belgas são supeeer e chatamenteee pontuais? Digo isto com uma ponta de inveja embora naquela situação preferisse que fechassem o restaurante só algum tempo depois. Uma paragem sem bancos, umas pernas a morrer de cansaço e pouca esperança em ver o vislumbre de algum autocarro. Sentei-me no chão enquanto as minhas duas companheiras tomaram a liberdade de começar a fazer fixe para a estrada. 

- Estão a gozar... certo? - gaguejei eu incrédula mas sem conter o riso.  
- Então se não for assim nunca mais saímos daqui... 
- Mas o autocarro não vai chegar dentro de uma hora?
- Acho que sim mas sinceramente não tenho a certeza e ainda queremos ir ver o Atomium hoje...

Não respondi a pensar em quão mínima era a probabilidade de algum dos vinte habitantes da aldeia lembrar-se de ir até Halle de carro e naquele momento. Dez minutos passaram e no fundo da minha consciência suspeito que estou a ouvir o som de um motor. Olho para a minha direita e é verídico: um carro aproxima-se. Olho para elas e já as vejo de braço esticado na berma oposta da estrada. Eu estava do lado da sombra a dar sustento à minha nova designação de madame, claro. Se bem que o aposento era a pedra mais larga que achei no meio da terra batida, mas isso é irrelevante. Humm.. estará a abrandar? Parece que... que... que... vai... parar... ahhhh não parou. Ahahahahahah sem fim, o que eu me ri. E eu ainda pensava que o problema era alguém passar. O problema era alguém passar e querer levar-nos a nós, usurpadoras da boa vontade dos inocentes, surripiadoras de carteiras ou até mesmo três possíveis serial killers. Estávamos, basicamente, tramadas e sujeitas à aparição de algum autocarro. 

Mais dez minutos passaram e eis que surge um novo carro. Ao longe parecia uma esperança mas ao perto percebi que agora quem iria recusar entrar seríamos nós. Dois homens guiavam na frente e pararam. Vejo-as a trocar palavras com eles em francês. Chamam-me. 

- Oi? Mas acham mesmo que vamos agora entrar aí? - disse eu prontamente e demasiado segura que ninguém ia entender por ser português.
- Não temos outra opção. O autocarro pode não aparecer. Além do mais, quem está a guiar é o avô, ao lado é o pai e no banco de trás está um bebé, vê. 

Era verdade. Estava ali um bebé. Mas o que é que isso queria realmente dizer? Não se tratava de preconceitos mas a verdade - que até poderia não ter nexo nenhum - é que me sentia muito mais confortável a aceitar boleia de gajas e de preferência da nossa idade, se não fosse pedir muito. 

O bebé levanta a mão na nossa direcção a querer dar-nos algo azul que rapidamente identificámos como um bluebell.

- Olha que fofo! Está a querer oferecer-nos a flor... - dizia uma delas.

Entrei no carro a suster a respiração. A cada travagem, a cada curva, a cada mudança de direcção eu me interrogava. E se nos estão a raptar? Bem, se nos estivessem a raptar eu não saberia porque nem sabia qual era o caminho certo. E naquele momento percebi. Tudo aquilo que podia fazer era respirar fundo e viver a aventura. Não tinha vindo para a Bélgica para ser uma turista. Tinha vindo para mostrar a mim própria que era capaz de me desafiar e superar coisas nunca antes vividas. Tinha vindo para sair da minha zona de conforto e para coleccionar memórias que não se adivinhavam no guia turístico da cidade. Tinha vindo para redescobrir-me. Olhei pela janela, apreciei a floresta a diminuir de tamanho e pensei: que sorte que tenho em estar aqui. 

2 comentários:

  1. Pelas fotos que vi do site que referiste, a floresta é mesmo linda :).
    Bem que aventura que viveste! Eu não sei se teria coragem de ir de boleia com estranhos. De qualquer das formas, acho que fazes muito bem sair da tua zona de conforto, aliás, é isso que tornam as viagens especiais e, como disseste, não te tornam apenas uma mera turista.
    Beijinhos,
    Cherry
    Blog: Life of Cherry

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  2. Wow... eu morria de medo.. provavelmente nem entrava acho eu! Que coragem!
    Um beijinho
    http://wallflowerbyines.blogspot.pt/

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