15.10.16

A Partida



Pensei em ir tomar um segundo banho. Gelado para cancelar todo aquele calor que me saía do corpo. Disseram-me para vestir a quantidade máxima de roupa de forma a poupar espaço na mala. Mas como é que eu alguma vez conseguiria vestir ainda mais - uma camisola, um casaco e rematar com o kispo - se apenas de top já estava em modo deserto do Sáara nível 5? Roguei mais umas quantas pragas ao saco-cama por me ocupar metade da minha maior mala. Quis desistir de algumas camadas de roupa mas conformei-me quando actualizei a meteorologia no iphone de Lisboa para Bruxelas. 

- Terminal 1 ou Terminal 2, menina? - perguntou-me o taxista quando nos aproximávamos. Xoda-se, no meio daquilo tudo, nem sabia para onde ia. Mas porque é que fazem dois terminais num aeroporto porquêeeeee? Nem estava explícito no bilhete! Ou será que estava? Ok, já nem me lembrava. Tentava recordar-me do bonito momento em que decidi que seria boa ideia ir só ali andar de avião sozinha. 
- Ahhhhhh... deixe-me naquele que seja o principal e tenha mais opções. - fingiu o meu lado mais pragmático. 

Chego perto de um painel luminoso. Há assim tantas pessoas a partirem neste momento? Incrível, podia estar a um passo de ir para qualquer lado. Qualquer canto do mundo. Não é que uma pessoa não soubesse já todas as facilidades que existem mas era impossível não me deixar encantar com aquela consciencialização da verdade. Por fim, encontro o meu destino com o diminutivo BRU. Sorri. Ai Brubru, I already love you. 

Há várias coisas que uma pessoa deseja que aconteçam quando por fim chega a um aeroporto. Como por exemplo manter a calma. Mas nunca, NUNCA, ficar a saber que tem que se dirigir a um quiosque self-check-in. Amigos, eu já cheguei self-até aqui, já carreguei estas malas de chumbo com as self-mãos, e tenho esta ideia maluca de me enfiar num avião self-sozinha. Tudo o que eu quero é que uma pessoa certificada me faça o check-in e diga "Well done, Patricia. Está tudo nos conformes, agora só precisa de esperar aqui até que a chamem para entrar no pássaro." Também pode dizer "Garanti-lhe um óptimo lugar junto à janela que dá para tirar fotos fancy para o instagram". Mas recambiarem-me para o self-check-in? NÃO. Aguenta coração.

A tarefa até que não foi árdua. Aliás, por parecer tão simples nem acreditava que estava completa. O quê? Já está? É só assim? Orgulhosa de mim mesma, peguei no meu boarding pass e segui para o próximo passo. Ok... Agora a mala. Procurei no átrio pela fila da TAP e aguardei pela minha vez. 

- Nome?
- Patricia. - respondi eu enquanto pegava na minha bebé e tentava posiciona-la para seguir viagem naquele labirinto que só as malas de porão conhecem. 
- Não, nome completo.
- Patrícia Murteira. - corrigi enquanto terminava a manobra e questionava se não tinha exagerado no peso da mala. 
- Patrícia?!
- A... sim? - levantei a cabeça.
- Sou eu! - respondeu um rapaz moreno que finalmente olhei nos olhos mas mesmo assim me parecia desconhecido. 
- A... - o meu ar de dúvida é sempre demasiado honesto.
- Sou eu, o André, não te lembras de mim? - testou-me ele mais uma vez.

Em quatro milésimos de segundo, voltou-me tudo à cabeça. Esforcei-me para não esbugalhar os olhos. Tinha conhecido aquele rapaz, nos inícios de 2014, numa saída à noite em que era suposto irmos ao Main mas acabei por ir com amigas a outra discoteca - da qual já nem me lembro o nome - que ficava numa travessa perto da 24 de Julho. Um ligeiro flirt que acabou com ele a pagar-me uma garrafa de água porque eu teimava em dizer que não bebia álcool e ele teimava em pagar-me uma bebida. (Uma garrafa de água. Eu sei, por favor não comentem esta parte.) Entretanto tínhamos trocado números (parva, parva, parva) e mais tarde eu disse-lhe que não estava interessada em um segundo encontro, se é que aquela noite se podia chamar de encontro. Acontece que sempre fiquei com a impressão que ele não gostou muito da recusa que sentiu e nunca mais tínhamos tido contacto. Portanto sim, meu deus, aquela era a primeira vez que o via depois dessa noite. Se por um lado pensei "enaaaa, até que é giro, afinal sempre não tenho mau gosto quando saio à noite", por outro aterrorizei, afinal de contas, eu devia-lhe uma "garrafa de água" e ali estava ele, a dar destino a minha mais que preciosa - e ainda nem totalmente paga - mala. "Mas ele não dava treinos de futebol a putos?!?" lembrei-me eu como se fosse mudar alguma coisa naquele preciso momento. 

- Ahhhhhhh... Oiii... Andréee... tudo... bem... a... contigo... que.. estás... fazer... aqui? - proferi enquanto comandava a mim própria ser simpática como se nunca nada tivesse acontecido e ele fosse um amigo da primária. 
- (resposta que não ouvi devido ao meu estado de perplexidade para com o karma, confesso - embora ainda hoje tenha a suspeita que ele falou algures em um part-time)
- Ahhhhhh... Que bom! - exclamei eu mas que bom o quê realmente? Não sabia, mas parecia simpático de se dizer. 
- Então e tu? Vais viajar é?
- (Não, as malas é que vão sozinhas para Bagdá) Siiim, vou para Bruxelas ter com uma amiga. - disse enquanto pensava que na verdade era uma amiga que também ele conhecia mas que não seria necessário ir buscar detalhes irrelevantes para aquele situação já incrédula por si só, certo?
- Que fixe! Olha estou a ver aqui o lugar que escolheste no quiosque mas vou altera-lo para um bem melhor. - afirmou ele com um sorriso.

Pronto. Agora sim. Estava tudo tramado. Perdido. Adeus, Joana. Tentei até ao fim. Andei eu durante um mês a achar que o meu maior problema seria a descolagem, a aterragem, o próprio voo, os atentados, quando na verdade o meu problema era ainda antes de partir ter passagem directa para um lugar no canto mais obscuro e frio do porão. Socorro! O que é que eu faço? Onde me poderei queixar de um atendimento vingativo?! Não existe linha de apoio para isto. Por favor vem mais tarde karma! Hoje não, ainda não é o dia! Ele deu-me um novo boarding pass e eu agradeci de sorriso amarelo deixando um "que querido" no ar enquanto me despedia, quando na verdade aquilo que mais queria era ver se existia uma letra junto do número do lugar. Existia, era um 12F. Hummm, a organização do porão também teria letras? Talvez ele só me tenha colocado no lugar mais perto da casa-de-banho, mais longe da janela e sem direito a refeição. Agora já não havia nada a fazer. 

A seguinte hora e meia foi de uma ansiedade tão grande que acabei com as pastilhas que tinha levado para não ter dores de ouvido, ainda antes de ter entrado no avião. Fantástico. Momentos mais tarde sentava-me no lugar marcado por ele. Era ao pé da janela e na saída de emergência. Não sabia se ele o tinha feito porque:

a) era um gajo fixe-prestável-que fazia bem o seu trabalho
b) era um gajo fixe-prestável-que fazia bem o seu trabalho e ainda tendo o meu número, ia voltar a reivindicar a garrafa de água que lhe estava em dívida. 
c) era um gajo com mau coração que tinha esperanças que o avião avariasse e eu fosse a primeira a saltar por aquela porta fora. 

Ainda não me tinha acalmado quando o avião começou a andar. Pensei em fechar os olhos mas não consegui. Precisava de ver para acreditar. De um momento para o outro, o mundo cresceu e pareceu não mais acabar e eu - que por medidas físicas hereditárias nunca antes me o considerei - senti-me pequenina. 

6 comentários:

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    1. ahahah então siii prepare que eu ainda tenho muito para contar!

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  2. Está a ser a melhor "série" de sempre! Estou a adorar! Com esta ri-me imenso já agora ahah!
    Até à próxima! Beijinhos
    http://wallflowerbyines.blogspot.pt/

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    1. Este foi um daqueles episódios em que uma pessoa não se rir, quase que chora! ahahah
      Um grande beijinho, Inês :)

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  3. Sendo eu assistente de bordo, tem sempre imensa piada para mim ver estes relatos de pessoas que não estão habituadas a andar de avião e que acham que tudo é um bicho de sete cabeças :p

    Quanto tempo vais ficar na Bélgica? A julgar pela quantidade de malas eu diria no mínimo 2 meses ahah.

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    1. Olá!
      Eu estou a contar uma viagem que fiz em Abril porque tenho estado inactiva no blog e só agora voltei.
      Fiquei (infelizmente) apenas uma semana em Bruxelas ahahah
      Compreendo perfeitamente que para ti isto seja uma comédia total porque até eu hoje vejo
      toda esta situação e penso no quão absurdo foram muitos dos meus medos e dúvidas naquela altura.
      Acho que faz tudo parte de ser a primeira vez. Em breve, partilharei o meu regresso e um ponto de vista diferente :)
      Um grande beijinho*

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